"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quarta-feira, 23 de junho de 2010

A vida sem rodinhas


''Quando é que sabemos que estamos aptos a andar por nossa conta?
Lembro que nos momentos importantes da infância, e também nos desimportantes, meu pai estava sempre a postos empunhando uma máquina fotográfica.
A consequência disso?
A cada gaveta que eu abro aqui em casa, jorram fotos diversas, sem contar as que estão confinadas em álbuns e porta-retratos.
Dessas tantas, há uma pela qual tenho um carinho especial: é uma foto em que estou andando de bicicleta, aos 5 ou 6 anos de idade. Naquele dia eu andei sem rodinhas pela primeira vez.
Dei várias voltas sem cair, até que meu pai clicou o flagrante: a pirralha com a maior cara de vencedora, dona do campinho, se achando.
Eu realmente estava degustando aquela vitória.
Se a foto tivesse legenda, seria: Viu?


As rodinhas são uma base protetora para iniciantes, uma segurança para quem ainda não tem domínio da coisa. Que coisa? Qualquer coisa. Me corrija se eu estiver errada: a gente usa rodinhas até hoje.


Quando se escreve um livro, por exemplo, as rodinhas são a parte não ficional, o sentimento de verdade, vivido, com o qual a gente ampara a ficção.


Quando se tem um filho, as rodinhas são a herança da educação que nossos pais nos deram, a parte hereditária que, mesmo questionada, sustenta nossas primeiras decisões.


Quando nos apaixonamos, as rodinhas são a repetição de certos clichês, a apresentação dos nossos ideais e certezas, mesmo sabendo que em breve entraremos em terreno movediço, desconhecido.


Quando se aceita um emprego, as rodinhas são a nossa experiência anterior, o que facilita a arrancada, mas depois é preciso andar sozinho.


Sempre chega a hora de tirar as rodinhas. Medo e êxtase.


Viver sem elas torna tudo mais perigoso, vulnerável, e ao mesmo tempo, emocionante. Nos faz voltar a ser crianças: será que estou agindo certo, será que não estou indo rápido demais, ou lento demais?
Atenção: lento demais, cai.


É preciso saber viver sem um suporte contínuo, para que se possa firmar o próprio caráter. Quem não sai da barra da saia da mãe, nunca consegue se equilibrar sozinho. Quem não solta a mão do pai, não vira homem.


Não se trata de dispensar amor. Estamos falando de rodinhas, lembre. Apoio.


Quando é que sabemos que estamos aptos a andar por nossa conta?
Se o assunto é bicicleta, aos 5, aos 6, aos 7, até aos 10 anos, dependendo do ritmo e da estabilidade de cada um.


Quando se trata da vida, também depende. Mas usá-las para sempre te impedem de sentir o gostinho de conseguir, de vencer, de atingir suas metas por si só.

Te impedem de perguntar: “Viu?”


Permita que os outros vejam o quanto você pode.''